UM CHARLES E DOIS JOÃOS
Quer dizer então que, para se obter financiamento público para qualquer expressão cultural no Rio de Janeiro, via gestão municipal, é preciso "eleger" como tema, se quiser o dindin, a chegada de D. João VI ao Brasil. Ahan!
Mas vou pensar de um jeito menos carrancudo e tentar entrar no espírito da anedota histórica.
Estou finalizando com minha namorada, Ilana Feldman, um curta-metragem chamado Almas Passantes. O filme acompanha um percurso de João do Rio e Charles Baudelarie pelo Centro do Rio. João do Rio vem do início do século XX. Baudelaire, de meados do XIX. Mas eles se encontram hoje, sabe-se lá graças a qual tecnologia propiciadora de viagens pelo tempo, sabe-se lá se graças ao fato de serem zumbis batedores de pés ou fantasmas desrritorializados. Hum! Desespacialização e destemporalização. Parece vacina contra a historicização das experiências. É o acúmulo das historicizações, porém, sem paredes isolacionistas.
Podemos reciclar a proposta e adequá-la ao ciclo D João VI.
D. João VI chega ao Brasil, ao Rio, em 2006, com amnésia. Não lembra de nada. Não sabemos se é um fantasma, se pegou a caravela do tempo ou se é um zumbi de George Romero. Na falta de Romero, vamos de Fabio Barreto.
Vagando pelo centro, D. João encontra João do Rio, que o reconhece, e Charles Baudelaire, que já ouviu comentários sobre João VI. O cronista e o poeta o levam para lugares que possam despertar a memória do imperador. Ele nunca ouviu falar do Brasil. Precisa redescobri-lo.
No meio da deambulação, depois de traçarem um frango a passarinho em um pé sujo, os três param diante de um centro cultural, cuja atração é um ciclo de curtas e longas sobre D João VI. Ao avistarem o imperador, prefeito e secretário correm para cumprimentá-lo, agradecendo por ter aceito o convite para comparecer ao coquetel de abertura do ciclo. D João começa a fazer cara de que está lembrando de algo, dele, do país, do convite.
No meio da sessão, D João, Baudelaire e João do Rio saem, com caras de poucos amigos. Talvez com a memória refeita, o imperador interpela as autoridades municipais e cobra o pagamentos de royalties pelo uso de sua imagem - e ameaça entrar com processo por difamação. Vendo o factóide se instalar, João do Rio, que sabe como as coisas acontecem na cidade, e Baudelaire, que já aprendeu duas ou três coisas sobre o Rio, saem caminhando pelas ruas e largam o imperador com o alcaide.
Esse post não foi patrocinado pelo programa dirigista D João VI.