Queimando Filme

O crítico de cinema Cléber Eduardo usa a primeira pessoa

Tuesday, April 25, 2006

As Meninas de Sandra e O Corte de Gavras

Não se passou nem uma semana desde que vi o filme mais recente de Costa-Gavras. Cortei do HD, sem sequer esforçar-me. Mas faço aqui um esforço de reconstituição, se não das imagens, ao menos de minhas palavras em comentários para amigos. Injustiça brava, já me acuso. Tentar restituir idéias e impressões, não o filme, é uma operação pouco rigorosa. Mas há quem defenda, entre os quais um muito admirado crítico de cinema brasileiro, que o importante é o que se retém, não o que está na tela. E a escrita seria uma forma de reter racionalmente o que primeiro se reteve em sensações e pensamentos não formatados em linguagem estruturada. Escrever seria estruturar a memória do filme (não o filme).

Toda essa enrolação pseudo-cerebral para dizer que tentarei lembrar de O Corte, do Costa (infelizmente, não o Pedro), escrevendo o que retive de suas imagens (não necessariamente retive as imagens, mas sim a relação com elas). Bem, primeiro tive a forte impressão de que o Costa é um dos diretores do Telecurso Pré-Mobral, porque, para mostrar que ele está fazendo uma comédia em sintonia com as questões político-sociais de seu tempo, põe todos os personagens para falar o tempo todo sobre o tema do filme (o desemprego e seus efeitos).

Tudo bem que o Costa propõe-se, o que é direito dele, a exacerbar o que tematiza, sobretudo no tipo de representação e de construção do personagem (anedótico), sem preocupaçãocom um pacto completo com a crença na ficção, porque essa exacerbação cômica carrega nela alguma referencialidade, uma seta indicativa a nos fazer notar que ele está fazendo uma paródia ácida de um dado de seu tempo.

Mas a gravidade política da situação é diluída pela psicopatização do personagem, que se torna uma imagem mais de maluco que de reação a um contexto do qual é vítima (problema parecido com o de A Agenda, de Laurent Cantet. E dilui-se ainda mais por situar essa crise social em um segmento muito específico, o dos altos executivos europeus da indústria de papel, que sobrevivem à crise sem perder sinais de equilíbrio econômico (carros, casas, roupas).

Costa torna-se aqui então um cineasta do CPC fazendo pedagogia cínica sobre o colapso da elite assalariada. Estaria regozigando-se com a decadência dos burgueses contemporâneos ou se solidarizando com eles por serem sua última "causa" humanista-política?

Ainda na linha cinema sintonizado com uma questão social de seu tempo, Meninas, de Sandra Werneck, não está interessada em decadência, mas em mais um efeito de consolidação de uma estratificiação de classes (com tudo o que isso representa de crise comportamental, tanto em matéria de "organização famíliar como em relação a perspectivas de futuro). Temos a favela como espaço onde se situa os conflitos que se filme está "denunciando" em forma de documentário. Seu objeto são quatro adolescentes grávidas. Duas do mesmo pai. Falam as garotas, as mães, os pais , delas e dos filhos delas. Imagens das casas, das ruas, das vistas de cima, do "ambiente favela".

Sandra fala pouco e não têm imagem. Percebe-se o empenho em interferir sem excessos, captando sim "depoimentos", mas, sobretudo, procurando observar situações domésticas, de tensão principalmente (entre mães e filhas), embora só raramente consiga superar o efeito de "autenticidade e intimidade simulada para a câmera e com alta consciência dela". Temos então mais uma representação da vida privada formatada principalmente pelos "atores-personagens-entrevistados", que fingem uma intimidade impossível diante da lente. Temos assim um híbrido de interativo com observacional, sem o rigor de não interferência direta de Justiça, de Maria Augusta Ramos.

Minha principal resistência ao filme é em relação à estrutura narrativa, em forma de painel de casos específicos cuja soma esboça um dianóstico geral. Não se constrói espaços de individualidades (abortados pelo ritmo retalhado), tampouco especula-se sobre razões para seu diagnóstico empenhado na neutralidade. Tem-se assim uma denúncia sem culpados, à moda de Ônibus 174, ou mesmo de Falcões - Meninos do Tráfico, que fazem revelações sem localizar causas concretas (complexas que sejam).

Meninas parece disposto a apenas mostrar uma situação, com mais proximidade que uma reportagem telejornalística, mas sem a organização da realidade tão característica da televisão. Mas apenas mostrar três meninas e suas vidas, aos fragmentos, só têm sentido se nós formos introduzidos nessas vidas pelo filme, não apenas colocados para passar em frente delas, sem nos deter em nenhuma para compartilharmos uma experiência ou sermos verdadeiramente incomodados com a proximidade dessa realidade.

Mais sobre o filme em Cinética (dia 10 de maio)

Monday, April 17, 2006

DECÁLOGO DE IMPRESSÕES



1) Um ano só acaba quando começa o próximo. Só por isso nem tudo está perdido para o cinema brasileiro em 2006. Ao menos até 1 de janeiro. Porque por enquanto, ahan, os filmes andam boiando.......

2) Regina Casé primeiro tenta nos convencer, em um programa de auditório ao ar livre, de que viver na periferia é muito maneiro, que conflitos e diferenças existem sem nenhuma tensão, seja de rapper com brega, seja de rapper com polícia, criando um pacto de paz do qual é mediadora populista. No Fantástico de ontem, 16 de abril, Regina, munida de Elza Soares, insiste em escala menor: com todos os problemas e adversidades, a periferia se resolve e anda pra frente, pra cima, sem precisar de nada. Há uma política de cultivo do conformismo com o abismo social? Ela sempre existiu, mas, agora, é de forma explícita?

3) O melhor filme entre os três quatro abraçados por Árido Movie é o que não trata de nenhuma questão socialmente legitimada ou dramaticamente séria. Refiro-me ao segmento dos amigos maconheiros. Em DVD, podiam arquivar o resto e ampliar esse núcleo.

4) Cinética, revista eletrônica do qual serei editor ao lado de Eduardo Valente e Felipe Bragança, entra no ar, estourando, até a segunda quinzena de abril. Espalhem. Não se trata de diáspora da Contracampo, ou de uma Contracampo do B, mas de um projeto complementar, sem nenhuma preocupação em enterrar resquícios de heranças contracampísticas, mas empenhada em firmar sua própria maneira de reagir ao cinema pela escrita.

5) Primeiro episódio de Made, na MTV, não difere de outros reality shows que, sem diferir de narrativas ficionais de cumprimento de metas, coloca um homem ou uma mulher com um objetivo determinado, o esforço para alcançá-lo e os resultados desse esforço. No caso, trata-se de um adolescente obeso (133 kg), homossexual (rasgadamente assumido e exibido), que deseja integrar-se aos outros garotos da escola e ao pai pelo futebol. Sua missão: colocar-se em forma física e técnica para não ficar de desmunhecado da turma

6) Belo texto o de Leonardo Mecchi no blog Enquadramento

7) Meu curso no Cinesesc, sobre a Distopia no Cinema Brasileiro, foi adiado para 24 de abril. Quatro aulas apenas, de mais ou menos três horas. Quem se interessar veja o post abaixo

8) A aula mais interessante dado por mim até hoje, com alto nível de participação, foi no Nós do Cinema, no Rio, sobre um breve percurso histórico do cinema brasileiro

9) O que será esse filme do Nelson Pereira? Torço para que eu goste. Torço para minha torcida dar certo.

10) A foto lá em cima é minha e de Ilana Feldman na filmagem de Almas Passantes.

Tuesday, April 11, 2006

CURSO SOBRE DISTOPIA NO CINEMA BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO

POR CLÉBER EDUARDO

NO CINESESC

24 de abril







Estimados

O excesso de atividades e a carência de disponibilidade me tirou um pouco do ar, em parte porque estava preparando, entre um filme e uma aula, o curso divulgado por mim mesmo aí abaixo. Baratinho.

Quem quiser e puder pode se inscrever na hora. As aulas tratam de filmes contemporâneos que têm na fuga a única solução de seus personagens. É um assunto sobre o qual estou debruçado, atualizando-o e historicizando-o (no passado). Foi tema de meu artigo-ensaio no livro da Contracampo.

As aulas são às segundas e quartas, duas semanas apenas, das 19h às 22h

Segue o release preparado pela jornalista amiga Lina Cavalcanti.



Distopia no cinema brasileiro contemporâneo

O crítico de cinema Cléber Eduardo em parceria com o Cinesesc dará de 17 a 26 de abril o curso: Distopia no cinema brasileiro contemporâneo – narrativas em fuga. Professor e crítico de cinema, Cléber Eduardo escreve na revista Paisá, no site Contracampo e a partir de abri, será um dos editores da revista eletrônica Cinética.

Durante as aulas será feita uma análise de um conjunto de filmes cujos protagonistas estão em fuga, preparam-se para fugir ou têm sua fuga abortada ao longo ou ao fim das narrativas. Isso porque nos filmes brasileiros realizados desde 1994, ano no qual a produção começou a reaquecer os motores com o funcionamento da Lei do Audiovisual, a fuga foi uma circunstância recorrente. A idéia de uma saída pelo exílio, muito comum nos anos 70 e 80 por conta da gestão do regime militar, permaneceu nos anos 90-00, agora sob novas configurações. Há desde exílios familiares até os afetivos, todos calcados em uma mesma circunstância: a incapacidade dos personagens de enfrentar as causas de sua opressão e de lidar com as condições adversas de seus meios (casamentos, famílias, bairro, cidade, país). A saída, nesses casos, é fugir. Romper com o ambiente opressor.


As aulas são baseadas no ensaio “Fugindo do Inferno: A Distopia na Redemocratização”, de Cléber Eduardo, publicada em Ensaios Sobre uma Década, organizado pela revista eletrônica Contracampo e editado pela Azougue. Serão analisados os casos de Terra Estrangeira (Walter Salles/Daniela Thomas), Kenoma (Eliane Café), Um Céu de Estrelas (Tata Amaral), Como Nascem os Anjos (Murilo Salles), Anahy de Las Missiones (Sergio Silva), Bicho de 7 Cabeças (Laís Bodanski), Abril Despedaçado (Walter Salles), Latitude Zero (Toni Venturi). O Homem do Ano (José Henrique Fonseca), O Invasor (Beto Brant), O Príncipe (Ugo Giorgetti) e Contra Todos (Roberto Moreira).
Serviço: De 24 de Abril a 8 de maio. Segundas e Quartas das 19h30 às 22h. Inscrições abertas no CineSESC.
R. Augusta, 2.075 - Cerqueira César
Telefone: (011) 3082-0213 R$30,00 (meia para estudantes,comerciários e idosos).