Match Point ou Xeque-Mate?
Muitos resenhistas têm considerado Match Point a ressureição de Woody Allen. Não sou da turma que tinha enterrado Allen. Consigo encontrar pontos de interesse até em seus filmes mais problemáticos, como Dirigindo no Escuro, e só não tive uma relação muito paciente com Melinda, Melinda, que, embora tenha a aprovação dos amigos Claudio Zinkier e Inácio Araújo, causou em mim a sensação de um desleixo com todo o processo de realização. Tenho essa mesma impressão em Match Point, embora outro amigo, agora Paulo Santos Lima, propague a habilidade da mise en scéne. Tive impressão contrária. Match Point parace um filme dirigido à distância, pelo telefone ou pelo rádio.
É mais ou menos recorrente a afirmação de que Allen não é extamente um amigo íntimo da mise en scéne. Seria, sobretudo, roteirista. Faz filmes de palavras e de atores, sem preocupação com a imagem, com o posicionamento da câmera, com a composição da cena, com a localização dos objetos e dos corpos em quadro. Concordo apenas em parte com isso. Em algumas comédias, nas quais a gag física sobrepõe-se ao humor verbal, a mise en scéne é fundamental. Allen é hábil em narrar piadas com imagens e com os corpos (o seu, principalmente). Há momentos de Trapaceiros, por exemplo, para mencionar um filme que aprecio bastante entre os recentes, que são extraordinários. Um deles: o plano do porão inundado por canos quebrados.
O problema é quando palavras e acontecimentos são valorizados em detrimento do investimento estético em situações capazes de sobreviver por si mesmas e não apenas como parte de uma engrenagem empenhada em estabelecer conflitos e narrar sucessão de eventos. Match Point está nesse caso. Existe lá um tenista que inicia atividade como professor (de tênis, claro). O cara é irlandês, de origem humilde, e, em sua carreira nas quadras, quase foi o bamba da raquete. Deu azar e o azar, como sabemos desde as primeiras palavras desse protagonista-narrador, é uma questão do filme. Essa narração fala sobre a incapacidade de qualquer homem ter controle total sobre acontecimentos que possam ser geradores de transformações radicais na vida (positivas ou não). O tenista parece estar disposto a manter seus passos sob controle quando larga as quadras de competição pelas de um clube de grãfinos.
Ele começa a namorar uma ricaça, irmã de um de seus alunos e filha de um empresário, que, por sua vez, irá se tornar seu patrão. Ahan!. No meio da ascenção social, porque é disso que o filme trata (um percurso de ascenção social a qualquer preço moral), ele encontra outra intrusa, uma atriz americana, noiva de seu futuro cunhado, que, aparentemente, pela maneira com que é filmada e interpretada (por Scarlet Johansson), também é uma alpinista social.
O filme tratará basicamente de como essa moça será ao mesmo tempo um imã sexual e uma pedra no caminho ascendete do ex-tenista. Sexo do bom ou vida confortável, com salário polpudo, poder e um belo apartamento de bacana? Essa é a indagação moral colocada para o personagem
Essa indagação não tem nenhum sentido se:
1) O espectador ver desde sempre no protagonista um alpinista social frio e calculista, que manifesta, em razão da circunstância colocada pelo roteiro, uma patologia associada à sua aceitação entre os ricos. Se ele é visto quase como um psicopata, como eu vi (em boa parte por conta ou por culpa do ator), seu drama está minado. Como estar próximo dele, como o filme nos quer colocar, se o vejo à distância, quase como caso clínico-social? Torna-se, então, filme-laboratório, com personagem-ratinho, opção essa que, por uma série de razões a serem explicitadas dia desses, me colocam vários problemas
2) O espectador não acreditar no desejo intenso do protagonista pela amante, tampouco em sua suposta dúvida se abandonará ou não a esposa. Eu jamais pensei nessa possbilidade vendo o filme. E jamais acreditei no tesão dele por ela. As situações sexuais, se queriam demonstrar a voltagem desse desejo, fizeram o contrário: me evidenciam como esse desejo é fake, só existia no roteiro e não foi encarnado pelos atores.
Ou seja, em parte, em grande parte, minha resistência é com os intérpretes do casal de amantes, que, engano à parte, estão soltos, frouxos, sem caminhos, como se tivessem sido largados no set, sem orientação, e acabam reduzidos a estereótipos, a olhares e expressões afetadas, sem verdade.
Essa frouxidão parece estar contaminando, também, a organização das cenas, dos corpos e da câmera nos espaços. Há uma série de panorâmicas no filme, algumas circulares (lentas e pesadas em seu movimento), que parecem querer agilizar o relato (embora o relato, apesar de cheio de barrigas, seja quase apressado, de modo a chegar no crime, como se nada, antes do crime, tivesse alguma importância). A questão é que essa câmera, na maioria das vezes, apenas se movimenta, sem muita validade e efeito, e esse movimento, como disse, não é em si mesmo um flanar do instrumento, um ganho estético, mas um artifício burocrático.
Esse talvez seja um dos filmes mais esquemáticos de Woody Allen. Não há frescor, imprevisibilidade, tudo parece já resolvido, determinado demais e, ao mesmo tempo, para um filme esquemático, tudo parece frouxo demais no burocratismo. Paradoxal, sei, mas assim vi.
Volto ao filme em breve porque há outros traços dele que eu acredito serem interessantes de se abordar
6 Comments:
Cléber,
Vai pagar direitos autorais pelo título do artigo ou você não chegou a ler minha crítica para o filme no Cinequanon? Hehehe...
É curioso que muitos tenham apontado o protagonista de Match Point como um alpinista social. Já vi o filme (que adoro) duas vezes, sendo que a segunda vez especificamente para tentar observar essa característica em Chris Wilton, e não vejo dessa forma.
Para mim, o personagem é uma pessoa que simplesmente agarra as oportunidades que encontra pela frente, mas não que suas ações sejam premeditadas, buscando resultados que o levem à desejada ascensão social.
É uma pessoa pragmática (ele se coloca como tal ao aceitar a influência da sorte em sua vida e trabalhando tranquilamente com essa variável), que enxerga e abraça sim as oportunidades de ascensão, mas para mim, para que isso o caracterize como um alpinista social, seria necessária uma premeditação que não encontro em suas ações. Afinal de contas, o único momento em que há essa premeditação (o crime) isso ocorre não para galgar posições sociais, mas para garantir um status quo que lhe escapa por entre os dedos.
Isso em relação ao primeiro ponto que você apontou. Em relação ao segundo (o desejo do protagonista pela amante), até concordo contigo que as atuações podem deixar um pouco a desejar nesse sentido, mas esse deslize é compensado (embora provavelmente não intencionalmente) pelo desejo do próprio espectador pela personagem/atriz Scarlett Johansson. Ou seja, podemos até não acreditar na paixão de Chris por Nola, mas nós mesmos (ao menos a parcela masculina do público) acreditaríamos em qualquer loucura causada pela possibilidade de um caso com a Scarlett Johansson. E eu estou falando sério!
mas se o espectador compra a loucura que ele tem por Nola, como pode comprar que ele a mate por uma vida segura? 5% dos homens compraria as duas coisas, então o filme é mal-sucedido tb nisso
o aspecto que menos gostei no filme foi a mudança (para mim brusca e forçada) da personalidade da Scarlett Johansson, antes uma fonte de sexualidade sem qualquer ligações mais fortes com o outro (qq que seja esse outro) para uma necessitada, carente e neurótica, já sem a carga sexual
fora isso a escolha do ator que faz o protagonista não me pareceu correta, ele tem um aspecto andrógino e quase gay, minando o desejo sexual pela Scarlett (não passando isso para o público); só ajudou no aspecto "Festim Diabólico" do sociopata - a relação com o aluno e futuro cunhado passa (acho que não de propósito) essa carga sexual mal direcionada (e nem explorada)
parecia que eu estava vendo O Talentoso Ripley...
Meu problema com o filme é justamente aquele número dois: não compro nem a pau a relação dos dois. Alias, especialmente a partir do momento em que ela se separa do cunhado dele.
Gosto muito do filme, mas concordo com o Renato com relação a mudança de foco de Nola, e tb concordo em partes no texto com relação ao ator, ele não consegue ser um alpinista social e nem fugir desse estigma, não assume e não nega, é um personagem mal-resolvido, provalmente por culpa do ator.
Por fim, muito do desejo do filme está intimamente ligado ao nosso desejo com relação a Scarlett Johansson
Cássio,
Até onde o filme nos mostra, ele não tinha como saber que o futuro cunhado gostava de ópera. Não há nenhum indício disso até aquele momento e quem inicia o diálogo pedindo uma dica de onde poderia encontrar CDs de ópera é ele próprio.
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