Queimando Filme

O crítico de cinema Cléber Eduardo usa a primeira pessoa

Monday, March 20, 2006

Caché - Quem filma?


Quem filma os vídeos enviados para Juliette Binoche e Daniel Auteuil em Caché? Poderíamos fazer um concurso sobre isso, mas, antes disso, coloco aqui a mais interesse hipótese, a mim colocada por Paulo Santos Lima, agora colaborador da revista Bravo. Para PSL, quem filma e quem envia os vídeos é, tchan-tchan-tchan!, o próprio diretor. Ou seja, Michael Haneke. Isso significa que, antes de ser um elemento dramático diegético, uma ação de alguém dentro do filme, os vídeos são, a rigor, um dispositivo do diretor para manipular seus personagens. Ele emprega o procedimento para extrair uma situação arquivada no passado e, dessa maneira, transforma um caso pessoal e específico em reflexo de algo mais amplo, relativo a convivência entre franceses e imigrantes africanos e arábes (ou afro-arábes, como é o caso do filme).

Como artifício, acho de gênio. Como atitude artística, coloco um senão que, se pode parecer moralismo estético para alguns, me parece importante discutirmos. Não estaria sendo Haneke um grande sacana com os personagens? Extrair do passado de Auteuil algo que queime seu filme, pensemos, não é uma ação autoritária de um deus onisciente? A estratégia do cineasta, afinal, termina em morte. Não há um tanto de sadismo nesse artifício empregado em nome de uma pretensa visão crítica da ausência de cordialidade na convivência da diferença?

Escrevi um texto geral sobre Haneke que sairá na próxima edição de Paisá. Apenas adianto aqui uma constatação colocada lá. Tenho a impressão de que o diretor alemão, ao fazer o diagnóstico das fraturas no humanismo europeu, acaba se vendo na enfermidade diagnosticada. Isso o libera para não parar diante de alguns limites éticos e estéticos. Tomemos como exemplo único Funny Games (ou Violência Gratuita). Temos lá enquadramentos que deixam a violência de fora, só nos dando a ver as agressões e seus resultados pelo som, que constrõem imagens em nossas imaginação pelo extracampo.

Isso seria supostamente crítico com a representação da violência, mas, a rigor, na relação entre diretor e espectador, essa violência é ainda mais torturante e sádica com o espectador. É o encontro de Bretch com Hithcock. Essa parceria já está presente na sequência, com o mesmo princípio de uso do extracampo visual (tornando campo via som), na qual um adolescente mata uma mocinha em Benny´s Video, o segundo longa de Haneke, ao qual conheci por meio de uma cópia conseguida para mim do emule por Sergio Alpendre. Vi ainda O Sétimo Continente e 71 Fragmentos......, ambos também cortesia do Alpendre. Ter conhecido esses filmes e revisto os que eu já conhecia, para escrever para Paisá, me permite ter uma visão mais sólida da obra de Haneke, esse gênio maligno. Meu interesse pelo cinema dele é da mesma natureza de minha atenção pelo cinema de Lars Von Trier. Há algo de safado e de mal caratismo na relação dos dois com os personagens. Mas não são Todd Solondz, por exemplo, e sim dois grandes manipuladores, cheios de desejo de provocar.

4 Comments:

At 7:58 PM, Blogger Sérgio Alpendre said...

jogos de Fanny? quem é Fanny?

o único filme do haneke que me agrada antes do caché é o 71 fragmentos, revisto hoje.

 
At 6:43 AM, Blogger Michel Simões said...

Eu gosto muito de Violencia Gratuita, e acho Caché genial. Tanto sinto esse "mal-caratismo" enraizado em seu cinema, mas é um "mal-caratismo" instigante, não chega a ser reacionário, porém beira o perturbador...

 
At 5:11 AM, Blogger AMPiazera said...

Gostei do "Caché"precisamente porque ele incomoda e dá muito o que pensar. É um olhar impiedoso sobre a culpa. Ne verdade acho que o autor das fitas era jovem filho do desafortunado Majid. Por que não? Afinal,mesmo que ele negue a autoria, só temos a a palavra dele que poderia muito em estar mentindo e querendo vingar a injustiça cometida contra seu pai. Nada prova que tenha ou não sido ele o autor das tais fitas e desenhos. Mas isso não é o mais importante.
Em tempo: o certo é dizer "mau caráter" (MAU é o contrário de BOM; MAL é o contrário de BEM).

 
At 6:18 PM, Blogger kelly marciano said...

e o haneke é austríaco

 

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