Queimando Filme

O crítico de cinema Cléber Eduardo usa a primeira pessoa

Thursday, March 23, 2006

Veneno de Guerra






Veneno da Madrugada, de Ruy Guerra, responde a que? Qual é sua pertinência, para o cinema e para o mundo, nesse início de 2006? Posso e devo estar sendo injusto com o filme, mas, em linhas gerais, poucos acontecimentos ali me instigaram. Uma comunidade dividida por núcleos opostos de poder, uns tantos exotismos e uma latinoamericanidade artificiosa, sem com isso estabelecer um mundo digético com potência estética, logo inibiram a ampliação do interesse pelas imagens. Belas imagens, que se diga. Belas até demais, faz-se necessário dizer. Há um excesso de "waltercavalhismo" nos ambientes, seja pelas luzes "externas" a penetrar um recorte do espaço escuro, seja pelas composições pictóricas dos enquadramentos. Carvalho parece esforçar-se para estabelecer uma fotografia artística, que exale erudição visual, mas isso é quase um solo dentro do filme - como era em Abril Despedaçado, de Walter Salles. Nada contra a beleza, mas, quando ela é asfixiante e derrama-se sobre universo enlameado, há algo de estranho nela. Alguém escreveu, se não me engano Christian Peterman no Guia da Folha, que o filme, acima de tudo, parece dos anos 70. Os anos 70 foram vários, no cinema mundial e brasileiro, mas digamos que, mal comparando, são os anos 70 de Guerra (Os Deuses e os Mortos), de Saraceni (A Casa Assassinada), não os de Sganzerla ou Jabor. Há peso nos planos sequências, atuações que vacilam, uma aparente dublagem sem rigor, a duelar com a imagens dos atores. Decadentismo impotente, enfim, que não creio ser do cineasta, por mim tão admirado, mas algo específico desse filme.

4 Comments:

At 10:28 AM, Blogger Eduardo Valente said...

cleber
não feche "os anos 70 de Ruy Guerra" assim, até porque Os Deuses e os Mortos é dos anos 60. os anos 70 de Ruy Guerra incluem A Queda, onde cada plano tem muito mais vida e urgência que Veneno inteiro. então, o equívoco (ou eu diria generalização) do Christian é maior porque nem se aplica aos anos 70 do próprio cineasta.

pelo contrário, parece exatamente um filme do Ruy Guerra dos anos pós-80, onde cada vez mais a potência estético-simbólica (que já estava lá nos anos 60/70, mas subjugada no interesse pela potência humana-política) ganha premência. neste caso, acho que é difícil culpar o Walter Carvalho (responsável por outras "tomadas de poder") e mais ver que era um casamento perfeito entre os dois.

 
At 7:34 AM, Blogger Leonardo Mecchi said...

Cléber,

Uma coisa que tenho visto passar ao largo na discussão sobre "Veneno", e que eu acho que é um dos seus principais temas, é a questão do tempo.

O tempo como algo subjetivo, múltiplo, que enuveia os conceitos de certo e errado, verdadeiro ou falso, real ou imaginário. Seja o tempo arrastado da própria cidade, denso, pesado, tendendo ao infinito, seja o tempo das três camadas da história, fragmentado, cíclico, repetitivo.

Me estranha essa censura quase unânime às imagens de "Veneno" e o silêncio em relação a um de seus principais temas.

O que acha disso, Cléber?

 
At 9:51 AM, Blogger Cléber Eduardo said...

Leo

Eu senti realmente o tempo em Veneno de Guerra, bem mais que a questão do tempo no filme, mas, como disse lá no texto, realmente andei "saindo" do filme, portanto, essa questão do tempo, diante daquelas imagens, não me chamou tanta atenção, embora eu estivesse ouvindo ela ser tratada, e vendo ela ser trabalhada nas repetições, mas sem o mesmo efeito em mim que provocou a concepção visual de tudo. Falha minha, sim, assumida desde sempre. Quanto ao fato de ser 70, Valente, é generalização sim, mas não só para o Ruy Guerra. Há um peso em parte do cinema latino nos anos 70, já sem aquela energia covicta da década anterior, tentando carregar uma bandeira de cinema autoral vinculado a um posicionamento de terceiro mundo, mas já mais para a asfixia que para a explosão libertária. Haverá sempre os filmes que farão o contrário disso, mas, enquanto prática fixadora de imagens, essa é uma característica por essas bandas nesse momento, e vai adentrar os anos 80 antes do surgimento de uma nova geração de realizadores.

 
At 3:35 PM, Blogger frinch@ said...

arte sem tempo

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